sábado, 29 de outubro de 2011

Serviço Social/Crise e renovação

A crise do Serviço Social Tradicional No Brasil, durante o governo de Jãnio Quadros (1960-1961), no ano de 1961, e logo depois de João Goulart (1961 - 1964) - popularmente conhecido como Jango, entre 1961 e 1964, a sociedade se dividiu, entre o apoio ao projeto de aprofundar o desenvolvimento dependente e associado do capitalismo, e a ruptura com esse padrão de desenvolvimento, avançando no processo de industrialização a partir do nacionalismo econômico de Getúlio Vargas, com as "reformas de base" (reformas estruturais: nos setores universitário, fiscal, político e agrário). Estas reformas contavam com o apoio das massas populares (trabalhadores, camponeses, estudantes e intelectuais) que estavam muito ativas naquela época. Com a ditadura de 1964, consolida-se o caminho de desenvolvimento capitalista associado aos grandes monopólios fundamentalmente de origem norte-americano.




Segundo Marilda Iamamoto a "questão social" no Brasil durante a consolidação do capitalismo monopolista, pode ser definida como "queda do padrão de vida dos trabalhadores" causada pelo aumento da taxa de exploração da força de trabalho obtida através da política de "arrocho salarial". Com esta política procurava-se atrair o investimento externo, para alavancar o desenvolvimento industrial, e inserir a economia brasileira na nova divisão internacional do trabalho pautada pela internacionalização da produção. Na ditadura, a "questão social", foi enfrentada por parte do Estado e do empresariado através da repressão e da assistência. A assistência via-se expandir criando o mercado nacional de trabalho para o Serviço Social. Ao mesmo tempo os serviços sociais começarão a serem explorados como fonte de acumulação de capital, e não apenas como instrumentos de redistribuição de renda.



A bifurcação dos caminhos que se colocou na sociedade brasileira nos anos sessenta, aconteceu também na América-latina, alimentada pela influencia da Revolução Cubana, que demonstrava factualmente que era possível um caminho de ruptura com o imperialismo dos EUA e o desenvolvimento socialista da sociedade.



No Serviço Social esta disjuntiva político-social se refratou no corpo profissional na forma de um movimento de renovação ou reconceituação profissional que apresentou duas faces: modernização e ruptura. O movimento de reconceituação começou no Cone Sul da América-latina (no ano de 1965 se realizou o I Seminário Regional Latino-americano de Serviço Social em Porto Alegre) e se espalhou pelo resto do continente ao longo de aproximadamente uma década.



Na modernização temos a vontade de transformação do Serviço Social de tecnologia em ciência, adotadando para isto o método científico. Na ruptura, temos a descoberta da ideologia como uma região, ou esfera da sociedade. Poder-se-ia dizer que aqui também existia a vontade de fazer do Serviço Social uma ciência, sendo para isto necessário, que o Serviço Social rompa com as ideologias ou que se defina a favor de uma das ideologias. Através da ideologia era possível pensar a relação entre o conhecimento e os interesses sociais quebrando assim a circularidade e auto-suficiência do processo de conhecimento do positivismo. Com esta formulação o Serviço Social abandonava o lugar de neutralidade que tradicionalmente ocupava, se afastando também da proposta modernizadora (e positivista) já que esta era considerada como uma proposta "ideológica" que visava a mascarar as relações sociais entre as classes.



A renovação do Serviço Social poderia ser explicada na trilha de Marilda Iamamoto (IAMAMOTO; CARVALHO, 2001), como uma tentativa de resposta à crise de legitimidade do Serviço Social. Trata-se de uma dupla crise de legitimidade: funcional e social. Para a crise de legitimidade funcional, ou seja com os empregadores (basicamente o Estado), a "saída" consiste na tecnificação da prática profissional, dando lugar a uma perspectiva modernizadora do Serviço Social. Entretanto, quando é uma crise de legitimidade social (em relação às demandas dos usuários, ou dos segmentos sociais com os quais o Serviço Social trabalha), a "saída" consiste em romper com as tradicionais instituições empregadoras dos profissionais, isto é, principalmente, com o Estado, dando lugar a uma perspectiva "refundacional" ou de "intenção de ruptura". Destarte, fica claro que a pretensão de refundar o Serviço Social não cobre a totalidade das expressões do processo de renovação da profissão. Existia, também, junto com esta tendência, uma outra que se caracterizou pela modernização e tecnificação das práticas profissionais, numa tentativa de se adaptar às novas demandas tecno-burocráticas dos estados desenvolvimentistas.



Segundo J. P. Netto (2001) os vetores da renovação do Serviço Social na América-latina foram: a crise da ciências sociais de origem norte-americano, a renovação da Igreja Católica e o movimento estudantil. O concílio Vaticano II e a II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano em Medellín/Colômbia em 1965 (reunida com o tema: A Igreja na atual transformação da América Latina, à luz do Concílio Vaticano II. Ver também o papel de Paulo Freire (1921-1997) e do Movimento da Cultura Popular em Pernambuco; assim como a Teologia da Libertação.



Na Teologia da Libertação temos um diálogo entre marxistas e cristãos. As concepções de Louis Althusser (1918-1990) foram um elemento facilitador desse diálogo. Este autor separava o marxismo em ciência (materialismo histórico) e filosofia (materialismo dialético). Esta separação é justificada pelo autor em vários textos, em particular neste clássico intitulado [A filosofia como arma revolucionária]. Em base a esta separação era possível aderir ao materialismo histórico (a ciência) sem ter que aderir também ao materialismo dialético. Ao mesmo tempo o caráter científico do marxismo possibilitava ser recepcionado como se fosse tão verdadeiro (e infalível) como a fé (Marcelo Ridenti fala dos "santos comunistas"). O maoismo da Revolução Cultural Chinesa era o caminho mais direto entre o cristianismo popular e o marxismo (aqui aparece o problema da verdade como testemunha: as verdades filosóficas são verdades em relação a uma determinada forma de existência. Ex. o sacrifício como testemunha da verdade).



No quadro criado pela revolução cubana e a emblemática figura do "Che" Guevera, o movimento estudantil, alimentado pela tradição anti-imperialista da Universidade Latino-americana a partir do movimento da Reforma de Córdoba, foi o vetor mais importante no processo de renovação profissional. Foi através deste movimento que as demandas mais avançadas das classes subalternas se filtraram e foram traduzidas em demandas de mudanças curriculares e de métodos pedagógicos nas escolas de Serviço Social.



A reconceituação na América latina e no Brasil Na comparação entre a dinâmica da renovação do Serviço Social no Brasil com o resto dos países da América-latina (especialmente do Cone Sul) deve ser levado em consideração o ambiente político diferenciado em que se desenvolveu este processo. No Brasil, numa ditadura, e, nos outros países, numa democracia com grande mobilização social (o caso chileno - a experiência do governo da Unidade Popular- quiçá seja o mais emblemático desta última situação). Por esta razão a renovação no Brasil será primeiro modernizadora e somente depois, com o ingresso da classe operária no cenário político, é que resgatará a herança da reconceptualização (1965 - 1975) iniciando um processo de ruptura ("intenção de ruptura" dirá J. P. Netto).



A reconceituação começou com o 1º Seminário Latino-americano de Serviço Social, realizado no ano de 1965 em Porto Alegre, e finalizou por volta do ano de 1973. Durante este lapso de tempo foram realizados uma série de seminários latino-americanos: em Montevidéu, Uruguai (1966), em General Roca, Argentina (1967), em Concepción, Chile (1969), em Cochabamba, Bolívia (1970) e finalmente, o sexto evento, foi novamente em Porto Alegre no ano de 1972. No mesmo ano em que foi realizado o 1o. Seminário Latino-americano de Serviço Social em Porto Alegre, foi fundada a Associação Latino-americana de Escolas de Serviço Social (logo depois Trabalho Social), ALAETS, e uma década depois, o Centro Latino-americano de Trabalho Social, CELATS, que tiveram grande importância na promoção do Serviço Social crítico.



No Brasil, a partir do início da perda de legitimidade da ditadura, no ano de 1974, é que começarão a ser criadas as condições para o desenvolvimento (ou a retomada) do pensamento crítico no Serviço Social. Será no ano de 1979 que este processo adquire visibilidade durante o "Congresso da Virada" quando dirigentes sindicais são chamados para compor a mesa de honra do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS).



Outro fator a ser levado em consideração é a reforma universitária acaecida no Brasil no ano de 1968 que criará os cursos de pós-graduação e profissionalizará o trabalho docente. Esta reforma está relacionada com o processo de industrialização (diferente dos outros países da América latina, nos que as ditaduras tinham com projeto a desindustrialização). A profissionalização do trabalho docente e os cursos de pós-graduação, unido ao desenvolvimento político da classe operária, são fatores que ajudam a explicar o grande desenvolvimento teórico-político do Serviço Social particularmente a partir dos anos oitenta.



Ao longo do processo ditatorial J. P. Netto distingue a constituição de três perspectivas:



modernizadora;

reatualização do conservadorismo;

intenção de ruptura

A perspectiva modernizadora
Nesta perspectiva o positivismo constitui o pano de fundo. No positivismo procura-se utilizar o "método cientifico" das ciências naturais para também analisar a sociedade. Este monismo metodológico é uma das principais características do positivismo. Para realizar esta operação é necessário, portanto, tratar a vida social da mesma forma em que é tratada a natureza. Dai que exista uma naturalização, ou também, poder-se-ia dizer, a coisificação da sociedade. Acontece que, evidentemente, existe um salto ontológico entre a natureza e a sociedade. Sem a natureza não poderia existir a sociedade, entretanto, isto não que dizer que a natureza possa explicar a sociedade. Na vida social surge a teleologia, e a partir dai todas as formas de consciência social (o conhecimento científico, a religião, a ética), enquanto que na natureza só existe a causalidade natural. Há no positivismo uma autolimitação cognoscitiva, uma recusa consciente, a mergulhar naquilo que não tem existência empírica. A razão só pode conhecer verdadeiramente aquilo que pode ser verificado empiricamente, seguindo o exemplo das ciências naturais. Quando a razão procurar ir além dos "fatos empíricos" ela se perde (ou retorna para) (n)o terreno da metafísica. Portanto, a essência não pode, nem deve, ser conhecida, porque ela está além das possibilidades cognoscitivas do ser humano. Assim como a essência, também acontece com os fins últimos da ação humana (os valores sociais), eles também não poder ser conhecidos racionalmente. Esta cisão entre meios racionais e fins irracionais aparece por exemplo na análise das formas de ação social em Max Weber (1864-1920), e tem grande importância para o Serviço Social. Esta autolimitação epistemológica traz como consequência a atitude conhecida como atitude agnóstica.





Contudo, existe no positivismo, um ponto de vista parcialmente verdadeiro, já que, com efeito, o processo de reificação, que está na base da análise do positivismo, efetivamente acontece socialmente (e não apenas mentalmente). No trabalho assalariado os indivíduos se relacionam entre si e consigo próprios como portadores de mercadorias sempre dispostos a estabelecer relações de troca. Na produção capitalista opera continuadamente este processo de compra-venda de força de trabalho como si fosse uma mercadoria, uma "coisa" com valor de uso e valor de troca. Este processo se expressa na forma de razão calculista (formal, abstrata, técnica), na forma de predomínio da forma mercadoria, ou seja, do valor de troca, das propriedades quantitativas dos produtos sobre as propriedades qualitativas (o valor de uso), dai o caráter formal ou abstrato deste tipo de racionalidade. No positivismo temos a tentativa de analisar a sociedade "como si ela fosse uma coisa", ou seja, de um modo naturalista. Portanto no positivismo temos a consciência teórica do processo de reificação. O positivismo opera no limite da reificação, sem conseguir ir além desse limite, ou seja, sem fazer a crítica ao processo de reificação da vida social. Poder-se-ia dizer que no positivismo, existe a tendência, com base no processo de reificação da sociedade, a privilegiar as dimensões quantitativas sobre as qualitativas, o valor de troca sobre o valor de uso, em todas as esferas da vida social. Marx diz, com relação à sociedade burguesa, que nela a riqueza se apresenta "à primeira vista" como uma enorme acumulação de mercadorias. A mercadoria --a "célula" da sociedade burguesa-- se apresenta tendo um duplo valor: de uso e de troca, além de uma medida: o preço. O valor de troca, as propriedades quantitativas, é o que possibilita a comparação dos produtos no processo de intercâmbio (a esfera inter-humana, social), até chegar ao consumo (a esfera privada) onde se manifesta seu valor de uso (as propriedades qualitativas, concretas). Na sociedade capitalista se produz constantemente a substituição de valor de uso por valor de troca, do trabalho concreto pelo trabalho abstrato, das propriedades qualitativas (sensíveis) pelas propriedades quantitativas (abstratas, susceptíveis de cálculo racional). Assim, as coisas inertes adquirem, face ao trabalho humano, a aparência de ter elas mesmas atributos sociais. O objeto (inerte, morto) torna-se autônomo e domina o sujeito. 



Seminário de Araxá (1967)
O eixo que atravessa o Seminário de Araxá é o transformismo a conservação do Serviço Social tradicional sobre novas bases. Isto se manifesta de diversas formas ao longo do seminário. Uma delas é a clássica diferenciação entre os níveis de intervenção macrossocial e microssocial. No nível Macrossocial temos o perfil profissional do assistente social voltado para a formulação de políticas sociais (moderno), e no nível microssocial temos o papel do assistente na execução terminal das políticas (tradicional) numa relação direta com os usuário dos serviços. O nível macrossocial está relacionado com a conformação da tecno-burocracia e racionalização da gestão do Estado em conformidade com os interesses dos monopólios. Processo este aprofundado pela ditadura, que no caso do Brasil, foi uma ditadura desenvolvimentista, mas que ao mesmo tempo que modernizou a sociedade também conservou os elementos tradicionais (ex. a questão agrária) refuncionalizados e subordinados às demandas modernizadoras, racionalizadoras do desenvolvimento monopolista. Além desta divisão entre níveis macro e microssocial uma outra ideia merece ser destacada já que mostra o papel do positivismo, na forma de estrutural-funcionalismo, neste seminário, e na perspectiva modernizadora. Trata-se do princípio da globalidade, que sustenta que o indivíduo deve ser analisado na sociedade, ou no sistema social. Para os participantes deste seminário, este era um princípio específico do Serviço Social. Esta formulação remete o princípio da globalidade para a analise baseada na clivagem ator-sistema própria do estrutural-funcionalismo. O ator é um indivíduo que internaliza normas e valores do seu meio social, desenvolvendo assim um comportamento adaptativo.



Seminário de Teresópolis (1970)
Este outro seminário, foi organizado também pelo CBCISS (Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais), com o propósito de analisar a questão da metodologia profissional do Serviço Social. Neste sentido as ideias apresentadas por Lucena Dantas são as mais relevantes, por causa da coerência e competência teórica deste profissional. Para Dantas o método profissional é o método científico aplicado: que opera através do diagnóstico e a intervenção planejada. No positivismo considera-se que só existe um método para conhecer a realidade. Nesta formulação aparece o papel de razão instrumental (técnica, formal, abstrata, calculista). A intervenção profissional está comandada por uma racionalidade calculista (cálculo de custos e benefícios), de um indivíduo que opera em um mundo coisificado de mercadorias. Esta racionalidade possibilita também um maior controle por parte das grandes burocracias das práticas profissionais.





O positivismo opera com uma racionalidade auto-limitada, que no caso da ação social, significa separar os meios dos fins. A esfera dos meios é, ou pode ser, objeto de análise racional (a esfera dos fins, dos valores, não pode ser objeto de análise racional). Esta última é a esfera dos valores, da "eterna luta entre os deuses e os demônios" como diria Weber. A primeira é a esfera técnica ou burocrática, e a segunda é a esfera política, onde impera a paixão política (o político age seguindo sua paixão política). Em Weber estas duas esferas dão lugar a duas éticas: a ética da responsabilidade e a ética da convição. Esta separação entre a esfera política e a esfera técnica, é funcional, no caso da ditadura, a uma prática profissional que somente se ocupa dos aspectos técnico-burocráticos do trabalho profissional, evitando o envolvimento nas discussões políticas. A prática profissional comandada por esta perspectiva, é uma prática de verificação de hipótese. O assistente social opera através do desenvolvimento de projetos, nos quais está embutida uma hipótese (explícita ou implicitamente) -- a hipótese do projeto -- que estabelece uma relação entre duas ou mais variáveis. Na prática do assistente social, este (o assistente social) modifica uma ou mais variáveis (chamadas variáveis independentes), através das atividades do projeto, para alcançar um determinado resultado (variável dependente).



A perspectiva de reatualização do conservadorismo

Perspectiva de origem católica conservadora que reivindica a relação cara a cara no espaço microssocial (assim a reivindicação da entrevista e do princípio da autonomia nestes autores). Nesta perspectiva coloca-se a temática da intersubjetividade, do diálogo, ou seja, da linguagem, como instrumento de trabalho. A transformação social é entendida como crescimento da pessoa (ser a ser-mais), e o objeto de intervenção profissional é caracterizado como situação existencial problema (SEP). Busca, através de uma leitura simplificada, e portanto, empobrecida da fenomenologia, criticar o positivismo no Serviço Social, negando a separação (ou o dualismo) sujeito-objeto, se propondo resgatar o Serviço Social "originário", antes da "queda" no positivismo. Este Serviço Social, anterior ao positivismo, é o Serviço Social Tradicional.



Portanto, os principais traços desta perspectiva são:



a compreensão do Serviço Social como a ajuda psico-social;

o diálogo como instrumento de trabalho;

a transformação social entendida como ser-mais; e

o objeto de intervenção profissional como situação existencial problema: (SEP), o problema vivenciado pelo usuário.

Existia na passagem da século XIX para o XX, uma crise da ciência. Era tanto uma crise social como uma crise endógena. A crise social diz respeito a entrada do capitalismo no estágio monopolista e, junto com ele, o surgimento das tendências as guerras interimperialistas, como efetivamente se verificou no início do século XX com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Configurou-se um quadro de pessimismo intelectual, que deu lugar até ao surgimento de tendências irracionalistas na filosofia. Neste quadro, a fenomenologia surge como uma proposta de busca de uma nova fundamentação racional para o conhecimento científico que supere o dualismo sujeito social - objeto natural próprio da ciência positivista, responsável das consequências perversas do desenvolvimento científico-técnico da sociedade ocidental.



Ao mesmo tempo, existia também um problema endógeno, no campo da ciência, O problema que se colocava era que aquilo que era objeto da pesquisa, em particular no mundo microscópico e/ou das partículas atômicas, não era o objeto em-si (o objeto natural), mas um objeto modificado pelo próprio pesquisador para que ele se torne visível ou perceptível. Ou seja, os próprios instrumentos de observação interferiam no objeto observado, de tal forma que o objeto observado não era o objeto natural, mas o objeto social (um objeto humanizado), transformado pelo próprio pesquisador. Isto questionava o pressuposto da separação sujeito (social) - objeto (natural) próprio do positivismo dominante no século XIX, e, em geral, de toda a tradição filosófica ocidental.



A saída para esta crise, está na substituição da relação sujeito - objeto para a relação intersubjetiva, a relação sujeito - sujeito, que tem na linguagem o seu modelo fundamental. Tem origem assim, o processo denominado por Habermas de "giro linguístico da filosofia", um movimento, que atravessará todo o século XX, e ainda hoje, na direção das filosofias de linguagem. Trata-se de um novo paradigma filosófico que pretende substituir o paradigma das filosofias da consciência, operando com uma racionalidade hermenêutica, através da interpretação e a compreensão do sentido, em oposição à racionalidade dialética,



A perspectiva de intenção de ruptura Edit

Esta perspectiva surge a partir da crise final da ditadura, quando o movimento operário, constituído em sujeito político, emerge no cenário político-social, na passagem dos anos 70 para os 80. Este processo se refrata no interior do Serviço Social no Congresso da Virada (III Congresso de Assistentes Sociais do Brasil) no ano de 1979. Obviamente, este processo, que emergiu no Serviço Social, já tinha um acúmulo realizado nos anos sessenta e também, ainda que em circunstâncias totalmente desfavoráveis, nos anos setenta, como ficou patente com a experiência do Método B.H. Existe aqui uma relação explícita, entre os interesses das classes sociais subalternas, e sua expressão teórica na teoria social crítica, particularmente, na tradição marxista.



No marxismo entendido como filosofia de práxis, há a concepção de que o conhecimento está ligado aos interesses das classes sociais. Neste sentido o marxismo seria a forma de consciência teórica dos interesses históricos da classe operária. Ou seja, existe aqui uma relação consciente entre a teoria social e a prática de uma determinada classe social. Postula-se assim, a relação entre o trabalho de conhecer a realidade e a da sua transformação, na trilha das Teses sobre Feuerbach, em particular a tão citada tese No. 11: "Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo." Neste sentido, o marxismo não é uma teoria social no sentido tradicional da palavra, ela é uma teoria sui-generis, já que não postula que o filósofo deva se afastar dos interesses mundanos, num processo de catarse ou purificação, como na filosofia tradicional desde a época dos gregos (para estes pensadores a teoria era contemplação, ausência de movimento).



Dai a relação do marxismo com o processo de reorganização da classe operária nos último anos da década dos anos setenta, e com o surgimento dos sindicatos autodenominados autênticos que depois conformariam o PT e a CUT. Nesta perspectiva se opera com uma relação consciente com o movimento operário (esta é sua particularidade). O papel da teoria é tornar consciente, unitário e coerente os interesses da classe operária. Este papel da teoria se desenvolve através da prática política, na intenção de construir aos trabalhadores como sujeitos políticos. Existe, portanto, uma intencionalidade na teoria crítica, que é voltar para a prática dos trabalhadores, esclarecendo-os dos seus "verdadeiros" interesses, para que assim possam agir na direção da sua emancipação. Existe uma ruptura com o mito da neutralidade, e uma tomada de partido em favor dos interesses dos trabalhadores (ao mesmo tempo que os próprios assistentes sociais se descobrem como trabalhadores). Nas outras perspectivas a relação do Serviço Social com as classes sociais é negada ou ocultada.



No caso do marxismo, como filosofia da práxis, que assume explicitamente os interesses da classe operária, precisa explicar como é possível que esse ponto de vista particular, possa ser superior aos outros pontos de vista, no sentido de ser mais universal, a pesar de ser também um ponto de vista particular, corporativo. A resposta está no lugar que a classe operária ocupa na história das sociedades de classe. Ela seria a última das classes sociais. A sua emancipação da exploração da qual é objeto, não daria lugar a um outro regime de exploração. Ou seja, ela (a classe operária) não se transformaria numa outra classe exploradora. A sua emancipação significa o fim do regime de exploração do "homem pelo homem", porque daria lugar a um regime sem classes sociais antagônicas. A própria classe operária vai deixar de existir, em tanto classe social.



Por esta razão, a classe operária é potencialmente portadora de um interesse universal, porque está interessada na sua emancipação e na emancipação da sociedade. Não tem outra classe para explorar. Ela é portadora de um interesse universal ou emancipatório. Existe nela a perspectiva da totalidade (universalidade). Por isto, a pesar, de defender os seus interesses particulares de classe, ao mesmo tempo, ela é potencialmente portadora de um interesse universal. Na ditadura isto ficou claro: ao mesmo tempo que a classe operária lutava pelo seu emprego e salário, também lutava pela democracia e a liberdade. É claro que o interesse universal da classe operária pode não se realizar, dai que seja necessário esclarecer que ela (a classe operária) é portadora "em potencial" de um interesse emancipatório. Por causa desta articulação entre o interesse particular e o interesse universal é que, do ponto de vista do conhecimento, opera-se com a perspectiva da totalidade concreta. Totalidade não quer dizer todo, quer dizer analisar a sociedade de um modo unitário e não fragmentário, a relação entre o singular e o universal que se exprime na particularidade dos fatos sociais. A articulação entre as diferentes instâncias ou momentos da totalidade, é realizada pelas mediações. Assim, a totalidade concreta é uma totalidade muito rica, síntese das múltiplas determinações. A totalidade em tanto totalidade concreta e, ao mesmo tempo, aberta, ou seja, histórica, e portanto, em movimento (por conseguinte, o movimento não é um "defeito" da realidade, uma evidência da falta de perfeição, como na filosofia clássica, antes, o movimento, a processualidade, é a essência da realidade). Se fosse uma totalidade fechada, a história já teria se esgotado, mas por se tratar de uma totalidade aberta, a história não acabou, nem vai a acabar enquanto existe vida humana (certamente uma catástrofe nuclear, ecológica ou genética poderia pôr fim à história, e esta é também, hoje, uma possibilidade concreta). O movimento da história, a processualidade, é um movimento dialético, que se desenvolve através de contradições. Finalmente, essa história é feita pelos próprios homens, nas condições históricas herdadas. Este é o traço do humanismo do marxismo, a história é feita pelos próprios homens. Portanto, em resumo, os traços do marxismo são universalidade, totalidade, historicidade e humanismo, "recheados" como diz Leandro Konder (1981) das mediações e contradições, ancorados aos interesses imediatos e históricos da classe operária.



Entretanto, esta tomada de partido pelos interesses da classe trabalhadora, pode trazer uma consequência indesejada, a reatualização de um traço que faz parte da tradição conservadora, de origem católica, no Serviço Social, como é o messianismo católico na forma de militantismo político. O assistente social aparece como aquele que pode tirar os trabalhadores da alienação na que inocentemente mergulham, como antes procuravam tirar as pessoas da vida "pecaminosa". Existe, aqui, uma sobre-estimação do poder do profissional que se complementa com uma subestimação das capacidades dos setores populares (como si fossem setores "carentes").



A emergência da classe trabalhadora como sujeito político, teve influência sobre a instituição universitária, que fora reformada no ano de 1968, seguindo o modelo da universidade norte-americana, visando a formação dos quadros técnico-científicos necessário para o processo de expansão produtiva promovida pela ditadura. A partir da reforma universitária, são criados os cursos de pós-graduação em Serviço Social, dando lugar ao surgimento de um profissional dedicado exclusivamente ao trabalho acadêmico. Esta profissionalização do trabalho acadêmico, paradoxalmente, propiciou a formação de quadros profissionais dedicados ao desenvolvimento da reflexão crítica sobre o Serviço Social.



O pensamento crítico se desenvolve na universidade, uma vez que elas foram o ponto mais fraco do conjunto das instituições durante o regime militar. Pela natureza do trabalho acadêmico existe uma certa liberdade nos espaços universitários. A intenção de ruptura começou nas universidades fundamentalmente nos cursos de pós-graduação. E ela está atrelada fortemente à existência de um ambiente cultural rico e autônomo nas universidade. É a perspectiva que depende de um modo mas claro da existência de um ambiente de liberdade, autonomia e compromisso social da universidade, condições que têm mais chance de se realizarem, mas universidades públicas.



Esta perspectiva percorreu um processo: 1) emersão: Método B. H. (1972-1975); 2) consolidação: Congresso da virada (1979). Currículo de 1982 implementado a partir de 1984; 3) espraiamento: Código de ética de 1986.



Método B.H (Belo Horizonte) Edit

Esta experiência foi desenvolvida na Universidade Católica de Minas Gerais entre os anos 1972 e 1975. Para Netto, o método B.H. foi uma alternativa global ao tradicionalismo. Neste sentido, postulava como objeto de intervenção profissional a ação social da classe oprimida, como objetivo a transformção da sociedade e do homem. Os meios para alcançar estes objetivos seriam a organização, capacitação e mobilização.



As críticas que podem ser feitas são: conceito simplificado da classe social, objetivos muito ambiciosos (messianismo), e funções que se confundem com as funções político-partidárias.



Procurou-se utilizar o método dialético entendido como um processo de abstração e concreção. A aplicação prática deste método, seguia em termos gerais o processo em três grandes momentos: sensível, abstrato e racional ou científico. Assim o processo seguia esta sequência: o primeiro momento, o momento sensível, se materializava no contato sensível com a população; logo o momento abstrato, que se manifestava na formação de grupos de discussão sobre os diversos problemas identificados (com efeito, os elementos isolados de uma determinada totalidade social, são abstrações dessa realidade); e finalmente racional ou científico, momento de síntese, quando os trabalhos dos diversos grupos se sintetizavam em reuniões plenárias. No final deste processo esperava-se conseguir a produção de novos conhecimentos, o que, evidentemente, não aconteceu. No final do processo só tinha se conseguido sistematizar o senso comum, portanto, não tinha sido possível sair do empirismo, daquilo que já era conhecido pela população e os pesquisadores.



As principais críticas são: empirismo, formalismo e marxismo sem Marx. Empirismo: De fato não se conseguiu sair do senso comum, ou seja, do momento sensível, já que para sair do senso comum, é necessário, realizar uma crítica teórica a esse senso comum (passar ao plano dos discursos diria Habermas). O mergulho no senso comum não produz novos conhecimentos. Formalismo:: Aqui confundiu-se o movimento da realidade com o movimento do pensamento. O processo de abstração-concreção é o caminho que percorre o pensamento para se apropriar intelectualmente da realidade, mas esse não é o caminho que a própria realidade percorre para alcançar a sua forma atual. Uma coisa é o caminho do pensamento (o método) e outra é o próprio movimento da realidade. No BH procurou-se que a realidade se encaixasse na lógica do pensamento, dai o formalismo do método.



Em suma: marxismo sem Marx. Isto tanto por causa do ambiente político hostil ao pensamento crítico nesse momento da ditadura, que tornava difícil o acesso a bibliografia crítica, como também ao déficit cultural dos próprios autores da proposta.



Contudo, o legado do método BH, consiste na busca para ampliar o espaço profissional buscando ganhar autonomia profissional para poder desenvolver uma prática profissional crítica.

Fonte: http://students.wikia.com/wiki/Servi%C3%A7o_Social/Crise_e_renova%C3%A7%C3%A3o

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